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"...Enquanto ensinarmos que o mundo é um lugar a ser evitado, que as mazelas humanas são fruto da ausência de Deus, que Deus não ouve os pecadores, que só a igreja evangélica é que detém os "diretos autorais" da salvação, que ser forte e inabalável é sinônimo de fé e que ser pecador é ser inimigo de Deus então ainda não entendemos o plano da salvação e o evangelho de cristo rebaixado apenas á mais uma religião...."

quinta-feira, 24 de maio de 2012

Marcha para Jesus? Não, contra homossexuais

Marcha para Jesus
Imagem capturada durante a Marcha. Foto: Reprodução
No último sábado, diversas cidades do Brasil receberam o atual fenômeno nacional de explosão do mundo gospel: a Marcha para Jesus. Uma verdadeira estratégia de ocupação de espaço, usada para nada mais que esfregar na cara da nação o nível de articulação das atuais lideranças religiosas e o alcance da influência que elas exercem sobre aquele mar de gente que parece só conhecer a Bíblia e as músicas do André Valadão.
Diga-se de passagem, apesar da relativa preguicinha que eu tenho desses eventos, não sei se vejo um problema intrínseco no fato de milhões de cristãos se juntarem nas ruas para afirmarem a sua fé, porque isso é uma questão de liberdade de crença e de expressão. Do mesmo modo, também não vejo problema nenhum no enorme cortejo de Iemanjá que paralisa Salvador em todo 02 de fevereiro.
A questão é outra, bem mais problemática, e, por sorte, ainda não afeta os candomblecistas nem membros de algumas outras religiões. Trata-se da fantástica falta de noção dos evangélicos em achar que o mundo é deles, e que devemos todos ser conduzidos pela cartilha dos seus pastores. Na falta de igreja pra todo mundo, a estratégia é eleger governantes, para funcionarem como porta-vozes de Jesus nos poderes. Na marcha do Rio de Janeiro, por sinal, a mania ficou bastante clara. Com a presença do prefeito Eduardo Paes, a multidão ensandecida cantava o refrãozinho: “Governador, autoridades, é Jesus Cristo quem comanda essa cidade”. Estado Laico pra quê, não é mesmo?
Nisso tudo, o que irrita ainda mais é a constante saga travada pelas lideranças evangélicas contra os direitos dos homossexuais. Apesar do título “Marcha para Jesus”, que cria a aparência de que o evento foi a favor de alguma coisa, o que se viu foi apenas uma grande e lamentável marcha contra o bom senso, contra a liberdade, contra o amor, contra a igualdade, contra as pessoas.
Ainda no Rio, enquanto se falava que a marcha pretendia discutir os temas da família tradicional e da liberdade de expressão, ocorreu apenas a reprodução da velha ladainha homofóbica dos conservadores. Sobre família tradicional, o que foi dito é que homossexuais não formam família: “O que Deus uniu foi o homem e a mulher. (…) Não é preconceito, é uma convicção formada”, afirmou o pastor Abner Ferreira , da Assembleia de Deus.
Sobre liberdade de expressão, ouviu-se apenas dizer que as leis contra a homofobia são censura e ameaça à liberdade religiosa: “A marcha está fazendo um protesto contra a PL 122, a dita lei da homofobia, mas que, para nós, é uma lei do privilégio. É uma lei para botar mordaça na sociedade, para ninguém expressar opinião contra os homossexuais”, disse Silas Malafaia , distorcendo completamente o fundamento do projeto de lei (e por que será que eu não me espanto?).
Em Maringá, no Paraná, depois da polêmica do cartaz da parada da diversidade , ilustrado com a foto de uma Catedral, a Marcha para Jesus acabou acontecendo exatamente na véspera da parada. E ao contrário de Malafaia, que ainda tentou disfarçar o preconceito afirmando não ter “nada contra os homossexuais”, um dos organizadores da marcha evangélica na cidade foi enfático ao dizer – com estas palavras – que uma guerra está travada. Mas por quê? Ninguém me diz.
A única resposta que me vem à cabeça é esta mania de moralidade exacerbada que eles tiram não sei de onde. Se for isso mesmo, os pastores só precisam entender que podem ter quantos valores morais quiserem, contanto que se conformem com a ideia de que o Estado não tem nada a ver com isso. E se quiserem esbravejar seus tantos preceitos por aí, mesmo que sejam preceitos contrários aos direitos humanos, é sempre bom lembrar que liberdade de expressão envolve responsabilidade, inclusive legal, sobre o que se faz e o que se fala. E isso está garantido pela mesma Constituição que Malafaia vez ou outra se lembra de invocar em próprio favor.
Ainda sobre a liberdade, é bom dizer aos pastores que enquanto eles não querem mordaças nos seus púlpitos e altares, nós também estamos há séculos cansados de mordaças nos nossos beijos e no nosso sexo, nos nossos amores e no nosso afeto. Em função disso, é também cansativo o movimento de legitimação da homofobia que se perpetua em eventos como a Marcha para Jesus, que até poderiam ter algo de interessante. Mais ainda, chega a ser triste ver verdadeiras multidões de marionetes a repetir os discursos de preconceito das suas lideranças, dando glórias ao ridículo dessa violência que, por sinal, não é nada cristã.

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