Hoje enquanto a maioria das famílias estão dizendo "Feliz natal e um próspero ano novo", a nossa diz "Meus sentimentos e que Deus nos conforte".
Nossos natais vão ficar sempre marcados como a data em que a Coquinha partiu. Sim! Coquinha, era como chamávamos a dona Etelvina, minha avózinha. Não sei de onde saiu esse apelido mas caia muito bem para uma senhorinha de um metro e meio.
Minha avó me ensinou muitas coisas, me ensinou o que era ilhós e como mexer na máquina de costura, me ensinou que cola de sapateiro só cola depois de seca, conhecimento que uso até hoje, ela me ensinou que as coisas simples da vida ganham novos valores quando feitos pelas mãos talentosas que trabalham com amor e graças a isso experimentei coisas que ficarão em minha alma e minha mente para sempre.
Depois do dela um simples pão com ovo nunca mais será bom o suficiente.
Sempre lembrávamos de quando eu era pequeno e já tinha aprendido a ler e escrever, ela semi-analfabeta, pediu pra eu ensiná-la a ler e escrever também. Me senti o professor, ensinei com altivez infantil, depois de uns dias passei uma prova pra ela e quando corrigi vi que tinha muitos erros, disse que ela tinha tirado um zero. Ela saiu chorando triste dizendo: o Alexandro me deu um zero!
Depois que cresci percebi que ela sempre só mereceu 10 com louvor e fiz questão de ressarcir isso durante a vida e nunca mais tratá-la com rispidez.
A fé dela contrastava com minhas dúvidas e suas convicções absolutas se opunham as minhas relatividades, mas eu a amava; do fundo da alma.
Todos me chamam de Alex mas só ela me chamava pelo nome todo: Alexsandro, e nunca vou esquecer ela sempre me alertando "Alexsandro, volta pra igreja!".
Sem saber no fundo o que ela estava querendo me dizer era: "Meu neto nunca se desvie do evangelho, não deixe ser levado pelo espírito deste século mas guarde sua mente e sua fé no espírito de Cristo e que nada, nem a religião, tome o lugar de Deus em sua vida." mas na sua simplicidade isso se resumia em "volta pra igreja" e minha vida mostrará a ela que da verdadeira Igreja eu nunca sai.
Sem saber no fundo o que ela estava querendo me dizer era: "Meu neto nunca se desvie do evangelho, não deixe ser levado pelo espírito deste século mas guarde sua mente e sua fé no espírito de Cristo e que nada, nem a religião, tome o lugar de Deus em sua vida." mas na sua simplicidade isso se resumia em "volta pra igreja" e minha vida mostrará a ela que da verdadeira Igreja eu nunca sai.
Depois de cerca de 75 dias internada no hospital Cruz Azul, o diabetes e a pressão alta venceram, o coração não aguentou o peso dos anos e da doença, ele então para de bater chamando o último suspiro que foi dado em paz como só aquele que tem o Príncipe da Paz sabe o que é.
A doença venceu por agora mas a morte já foi vencida na Cruz e em Cristo ninguém verá a morte pois já passou da morte para a vida.
Minha avó morreu aqui mas não ficou morta por um só minuto porque o Senhor a levantou imediatamente do outro lado. Essa é a Esperança gloriosa de Cristo em nós.
Deste lado ela se foi e por mais que as dezenas de cataventos coloridos do cemitério simulem movimentos e flores simulem vida, aqui o que ficará é a inercia e o luto que durará muito mais que as flores de lá.
Enquanto caminho pela ruela do cemitério em direção ao túmulo, no silencio fúnebre ouvindo apenas as pedras estalarem sob os pés, penso que é a última vez que verei o rosto dela por aqui, as enxadas e ferramentas dos coveiros apressam o último adeus. O violino chora suas últimas notas sussurrando "Segura na mão de Deus e vai", nós choramos suplicando pelo auxílio da mesma mão aos que ficam.
"...a morte sem prazo ou norte
vai levando meus amores.
A morte sem avisar
a cavalo de galope
sem dar tempo de escondê-los
vai levando meus amores.
A morte desembestada
com quatro patas de ferro
a cavalo de galope
foi levando minha vida.
A morte de tão depressa
nem repara no que fez."
vai levando meus amores.
A morte sem avisar
a cavalo de galope
sem dar tempo de escondê-los
vai levando meus amores.
A morte desembestada
com quatro patas de ferro
a cavalo de galope
foi levando minha vida.
A morte de tão depressa
nem repara no que fez."
Apesar da dor estamos felizes porque o sofrimento dela acabou e onde ela está agora não há necessidade de respiradores artificiais, monitores de oxigenação e pressão para monitorarem o nível da vida pois lá a Vida é eterna.
Seus ferimentos nas costas foram curados, o buraco da traqueostomia fechado e olho cego agora vê em alta resolução. Vê o que olhos não viram e o que jamais o chegou ao coração humano: a verdadeira vida.
Chega de furadas de agulha, aferição de glicose, alimento injetado pelas narinas, chega de inchaço, de necrose. Chega de morfina!
Ninguém vai mais cutuca-la perguntando se ela está ouvindo, nem usar de artifícios com produtos de beleza pra cobrir sua real aparência. Hoje seu rosto resplandece.
Aqui, desligados da verdadeira vida, somos como ventiladores arrancados subitamente da tomada mas que continuam girando por um tempo pela energia residual até pararem de se movimentar completamente, mas lá ela está ligada Àquele cuja toda energia, da quântica á cósmia, subexistem.
No ano que eu considero o mais difícil da minha vida, 2015 termina levando também minha avó.
Fico aguardando o dia do reencontro quando irei para Deus ou Deus virá para mim. Minha avó se foi mas minha fé e esperança de reencontrá-la, não.
Um dia estarei lá com ela. E não quero ver ruas frias de ouro nem lagos duros de cristal, isso não me interessa! O que eu quero é ver ao Senhor e ficar muito grato a Ele pois sei que no meu céu terá também pão com ovo feito pela vovó.
Até já coquinha. Sempre te amarei!