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"...Enquanto ensinarmos que o mundo é um lugar a ser evitado, que as mazelas humanas são fruto da ausência de Deus, que Deus não ouve os pecadores, que só a igreja evangélica é que detém os "diretos autorais" da salvação, que ser forte e inabalável é sinônimo de fé e que ser pecador é ser inimigo de Deus então ainda não entendemos o plano da salvação e o evangelho de cristo rebaixado apenas á mais uma religião...."

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Estou Cansado - Ricardo Gondim por Ed René Kivitz


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Cansei-me! Entendo que o mundo evangélico não admita que um pastor confesse o seu cansaço. Conheço as várias passagens da Bíblia que prometem restaurar os trôpegos. Compreendo que o profeta Isaías ensine que Deus restaura as forças do que não tem nenhum vigor. Também, estou informado de que Jesus dá alívio para os cansados. Por isso, já me preparo para as censuras dos que se escandalizarem com a minha confissão e me considerarem um derrotista. Contudo, não consigo dissimular: eu sinto-me exausto.
Não, não me afadiguei com Deus ou com minha vocação. Continuo entusiasmado pelo que faço; amo o meu Deus, bem como a minha família e os amigos. Permaneço esperançoso. A minha fadiga nasce de outras fontes.
Canso-me com o discurso repetitivo e absurdo dos que mercadejam a Palavra de Deus. Já não aguento mais que se usem versículos tirados do Antigo Testamento e que se aplicavam a Israel para vender ilusões aos que lotam as igrejas em busca de alívio. Essa possibilidade mágica de reverter uma realidade cruel me deixa arrasado porque sei que é uma propaganda enganosa. Cansei-me dos programas de rádio em que os pastores não anunciam mais os conteúdos do evangelho; gastam o tempo alardeando as virtudes das suas próprias instituições. Causa tédio tomar conhecimento das infinitas campanhas e correntes de oração; todas visando exclusivamente, a encher os seus templos. Considero os amuletos evangélicos horríveis. Cansei-me de ter de explicar que há uma diferença brutal entre a fé bíblica e as crendices supersticiosas.
Canso-me com a leitura simplista que algumas correntes evangélicas fazem da realidade. Sinto-me triste quando percebo que a injustiça social é vista como uma conspiração satânica, e não como fruto de uma construção social perversa. Não consideram os séculos de preconceitos nem que existe uma economia perversa privilegiando as elites há séculos. Não aguento mais os cultos de amarrar demónios ou de desfazer as maldições que pairam sobre o Brasil e o mundo.
Canso-me com a repetição enfadonha das teologias sem criatividade nem riqueza poética. Sinto pena dos teólogos que se contentam em reproduzir o que outros escreveram há séculos. Presos às molduras das suas escolas teológicas, não conseguem admitir que haja outros ângulos de leitura das Escrituras. Convivem com uma teologia pronta. Não vêem a sua pobreza porque acreditam que basta aprofundarem um conhecimento “científico” da Bíblia e desvendarão os mistérios de Deus. A aridez fundamentalista exaure as minhas forças.
Canso-me com os estereótipos pentecostais. Como é doloroso observá-los: sem uma visitação nova do Espírito Santo, buscam criar ambientes espirituais com gritos e manifestações emocionais. Não há nada mais desolador que um culto pentecostal com uma coreografia preservada, mas sem vitalidade espiritual. Cansei-me, inclusive, de ouvir piadas contadas pelos próprios pentecostais sobre os dons espirituais.
Cansei-me de ouvir relatos sobre evangelistas estrangeiros que vêm ao Brasil para soprar sobre as multidões. Fico abatido com eles porque sei que provocam as pessoas de forma a que elas “caiam sob o poder de Deus” para tirar fotografias ou gravar os acontecimentos e depois levantar fortunas nos seus países de origem.
Canso-me com as perguntas que me fazem sobre a conduta cristã e o legalismo. Recebo todos os dias várias mensagens electrónicas de pessoas a perguntarem-me se podem beber vinho, usar “piercing”, fazer tatuagem, tratar-se com acupunctura, etc., etc. A lista é enorme e parece inexaurível. Canso-me com essa mentalidade pequena, que não sai das questiúnculas, que não concebe um exercício religioso mais nobre; que não pensa em grandes temas. Canso-me com gente que precisa de cabrestos, que não sabe ser livre e não consegue caminhar com princípios. Acho intolerável conviver com aqueles que se acomodam com uma existência sob o domínio da lei e não do amor.
Canso-me dos livros evangélicos traduzidos para português. Não tanto pelas traduções mal feitas, tampouco pelos exemplos tirados do golfe ou do basebol, que nada têm a ver com a nossa realidade. Canso-me com os pacotes prontos e com o pragmatismo. Já não aguento mais livros com dez leis ou vinte e um passos para qualquer coisa. Não consigo entender como uma igreja tão vibrante como a brasileira precisa copiar os exemplos lá do norte, onde a abundância é tanta que os profetas denunciam o pecado da complacência entre os crentes. Cansei-me de ter de opinar se concordo ou não com um novo modelo de crescimento de igreja copiado e que vem sendo adoptado pelo Brasil.
Canso-me com a falta de beleza artística dos evangélicos. Há pouco compareci a um show de música evangélica só para sair arrasado. A musicalidade era medíocre, a poesia sofrível e, pior, percebia-se o interesse comercial por detrás do evento. Quão diferente do dia em que me sentei na Sala São Paulo para ouvir a música que Johann Sebastian Bach (1685-1750) compôs sobre os últimos capítulos do Evangelho de São João. Sob a batuta do maestro, subimos o Gólgota. A sala encheu-se de um encanto mágico já nos primeiros acordes; fechei os olhos e senti-me num templo. O maestro era um sacerdote e nós, a plateia, uma assembleia de adoradores. Não consegui conter as minhas lágrimas nos movimentos dos violinos, dos oboés e das trompas. Aquela beleza não era deste mundo. Envoltos em mistério, transcendíamos a mecânica da vida e nos transportávamos para onde Deus habita. As minhas lágrimas naquele momento também vinham com pesar pelo distanciamento estético da actual cultura evangélica, contente com tão pouca beleza.
Canso-me de explicar que nem todos os pastores são gananciosos e que as igrejas não existem para enriquecer a sua liderança. Cansei-me de ter de dar satisfações todas as vezes que faço qualquer negócio em nome da igreja. Tenho de provar que a nossa igreja não tem título protestado em cartório, que não é rica, e que vivemos com um orçamento apertado. Não há nada mais desgastante do que ser obrigado a explanar para os parentes ou os amigos não evangélicos que aquele último escândalo do jornal não representa a grande maioria dos pastores que vivem dignamente.
Canso-me com as vaidades religiosas. É fatigante observar os líderes que adoram cargos, posições e títulos. Desdenho os conchavos políticos que possibilitam eleições para os altos escalões denominacionais. Cansei-me das vaidades académicas e com os mestrados e doutoramentos que apenas enriquecem os currículos e geram uma soberba tola. Não suporto ouvir que mais um se auto-intitulou apóstolo.
Sei que estou cansado, entretanto, não permitirei que o meu cansaço me torne um cínico. Decidi lutar para não atrofiar o meu coração.
Por isso, opto por não participar de uma máquina religiosa que fabrica ícones. Não lutarei pelos primeiros lugares nas festas solenes patrocinadas por gente importante. Jamais oferecerei o meu nome para compor a lista dos prelectores de qualquer conferência. Abro mão de querer adornar o meu nome com títulos de qualquer espécie. Não desejo ganhar aplausos de auditórios famosos.
Buscarei o convívio dos pequenos grupos, darei prioridade às minhas refeições com os amigos mais queridos. O meu refúgio será ao lado de pessoas simples, pois quero aprender a valorizar os momentos despretensiosos da vida. Lerei mais poesia para entender a alma humana, mais romances para continuar sonhando e muito boa música para tornar a vida mais bonita. Desejo meditar outras vezes diante do pôr-do-sol para, em silêncio, agradecer a Deus por sua fidelidade. Quero voltar a orar no secreto do meu quarto e ler as Escrituras como uma carta de amor do meu Pai.
Pode ser que outros estejam tão cansados quanto eu. Se é o seu caso, convido-o então a mudar a sua agenda; romper com as estruturas religiosas que sugam as suas energias; voltar ao primeiro amor. Jesus afirmou que não adianta ganhar o mundo inteiro e perder a alma. Ainda há tempo de salvar a nossa.
Soli Deo Gloria.
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