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"...Enquanto ensinarmos que o mundo é um lugar a ser evitado, que as mazelas humanas são fruto da ausência de Deus, que Deus não ouve os pecadores, que só a igreja evangélica é que detém os "diretos autorais" da salvação, que ser forte e inabalável é sinônimo de fé e que ser pecador é ser inimigo de Deus então ainda não entendemos o plano da salvação e o evangelho de cristo rebaixado apenas á mais uma religião...."

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

LIVRO: O Livro Negro do Cristianismo

Autor: Jacopo Fo
ISBN: 8500019646

A história da religião monoteísta mais difundida no mundo passou, nos últimos 2000 anos, por muitos desmandos e apresentou inúmeros atos de abuso de poder. Caça às bruxas e aos hereges, Inquisição, escravidão, colonialismo, apoio a ditaduras européias e sul-americanas, pedofilia...Este é um livro que não se cala e que percorre a história cristã por meio de seus atos mais sanguinários e repressivos.




Segue um trecho do livro:

O caso de Franchetta Borelli de Triora
Franchetta Borelli vivia em Triora, uma pequena cidade nos Prealpes, na
província de Impéria, fronteira com a França. Tinha 65 anos quando foi submetida
a duas sessões no cavalo de estiramento. Uma durou 15 horas ininterruptas, a
outra, 23. Apesar da dor atroz, a mulher demonstrou uma força de espírito
excepcional. Em dado momento, provavelmente para tentar se distrair dos
sofrimentos físicos, começou a brincar e conversar com o comissário e os
carrascos.
Abaixo transcrevemos, quase na íntegra, seu segundo dia de
interrogatório, como está relatado nos documentos originais conservados no
Arquivo do Estado de Gênova, no Arquivo Bispai de Alberga e no Arquivo
Paroquiano de Triora.
Foi perguntado à acusada se estava decidida a dizer a verdade, e ela
respondeu: "Senhor, já disse toda a verdade."
Foi perguntado se eram verdadeiras as coisas que havia começado a
confessar durante o último interrogatório, e ela respondeu: "Eu estava com febre e
não sabia o que estava dizendo."
Tendo em vista a obstinação e a  audácia da acusada, foi então
ordenado que fosse despida e vestida com um camisão de lona branca, que lhe
fossem raspados os cabelos e pêlos pubianos e que, finalmente, fosse colocada
sobre o cavalo de estiramento, para ser submetida à tortura. Então ela disse:
"Julgai-me, Senhor; ajudai-me, Deus Todo-Poderoso, mandai-me ajuda e conforto.
O Senhor Deus me ajudará... Calem-me,  pois disse a verdade... Senhor Deus,
liberta-me dos falsos testemunhos. Vós sabeis quem sou, os juízes do mundo não
podem sabê-lo... Se apertar os dentes, dirão que rio...

Ai,  meus braços... Ajudai-me, Senhor, e não me abandonais, pois só
tenho conforto em Vos...
Calem-me. Se não disse a verdade, que Deus nunca me aceite no
Paraíso. Falta-me coração. Senhor, mandai-me o anjo do céu, para que me proteja e defenda... Calem-me, eu disse a verdade. Se não me calarem agora,
calar-me-ão morta; falta-me o fôlego. Senhor, mandai-me o anjo do céu. Cristo,
que podeis mais do que os falsos testemunhos, arrancai-me a alma do corpo e a
mandai para onde deve ir." Então ela  se calou e disse: "Meu coração está
explodindo. O Senhor não me deixará chegar ao amanhecer, pois chamará para
Si minha alma. Senhor comissário, dê-me um pouco de vinagre ou de vinho."
Bebeu um copo de vinho e disse: "Misericórdia, peço misericórdia. Tirem-me daqui
e me dêem de beber."

Foi-lhe dado outro copo de vinho,  e depois disse: "Senhor comissário,
queria comer um ovo."
E assim lhe foi dado um ovo. Já fazia cinco horas que estava sob tortura,
e nada disse nem se lamentou, até a 11ª hora, quando falou: 'Ajude-me quem
puder." E após um tempo disse: "Ai, meu coração; aí, minha cabeça. Quer me
fazer descer um pouco, senhor comissário?”E quando o comissário disse que a
faria descer se falasse a verdade, ela respondeu: "Ora, eu já falei."
E calou-se. E após doze horas disse: "Estou sendo escalpelada. Ai, meu
pescoço."
E após treze horas disse: "Dêem-me um pouco de água, que estou
morrendo de sede."

Foi-lhe perguntado se queria vinho, e ela disse que não; e assim foi-lhe
dada água para beber, e calou-se. E depois: "Não estou enxergando bem, estou
com dor nas mãos e não estou mais vestida." E quando o comissário disse que não
devia se preocupar com a roupa, mas em dizer a verdade e cuidar da alma,
respondeu: "A alma vem antes de qualquer outra coisa. Tire-me daqui."
E quando o comissário disse que,  se declarasse a verdade, seria
desamarrada e tirada de lá, respondeu:  "Já disse a verdade. Não consigo mais
segurar a urina. A verdade, eu já disse; se pudesse ver a minha alma..."
Após quatorze horas de tortura, seu irmão trouxe-lhe ovos frescos, que
ela bebeu, depois dizendo: "Não posso mais usar meus braços; e veja também
como está minha língua... Não agüento mais... Pelo amor de Deus, façam-me
descer um pouco, para que eu, pelo menos, consiga respirar." E então foi-lhe

ordenado dizer a verdade; depois seria solta e poderia respirar o quanto quisesse.
E ela respondeu: "Meu senhor, desça-me daqui, pois já disse a verdade. Alguém
me ajude, se possível; não agüento mais, sinto meu coração explodir. Fazeis que
me ajudem, Senhor; já disse a verdade. Ah, como são cruéis. Será possível que
ninguém quer me dar uma colher para enfiar na garganta? Senhor, ateie fogo aos
meus pés, mas me tire daqui."

E quando o comissário disse que, se não declarasse a verdade,
acenderia o fogo, ela respondeu: "Faça-me queimar, pois já disse a verdade, mas
me tire daqui, pois não resistirei mais. Não me deixe ainda  mais desesperada.
Acerte-me com um martelo na cabeça e acabem com minha falta de ar. Já disse
a verdade. Virgem Maria, fazei que me soltem e mandai-me alguma ajuda."
E quando o comissário disse que, se declarasse a verdade, mandaria
soltá-la e descê-la, ela respondeu: "Eu disse a verdade. Ai, mãe, falta-me coração.
Em R oma,  o caval o  não du ra mai s  do que oito horas. Eu já estou aqui há uma
noite e muitas horas do dia. Quem me  contou foi um habitante de Triora que
chegou de Roma anteontem, quando eu estava em Gênova... Estou com frio nos
pés."

E foi-lhe dito que, se declarasse a verdade, o comissário mandaria soltá-
la. E ela respondeu: "Não me atormentem mais; eu já disse a verdade e não
preciso dizê-la de novo. Morro de frio nos pés. Tenha piedade, senhor comissário, e
mande trazer um pouco de brasa para me esquentar."
E assim, por ordem do comissário, foi colocada a brasa sob os pés da
acusada, e ela se calou. Duas horas depois, disse: "Meus pés estão gelados."
E mais uma vez, por ordem do comissário, foi colocada a brasa, e ela
disse: "Senhor, faça-me descer daqui. Dez horas a mais ou a menos não fazem
diferença... E o que vê aqui é um rato..."

E olhava o comissário, mas nada via. A acusada então começou a falar
intimamente com todos, como se estivesse sentada em uma cadeira, dizendo,
entre outras coisas: "Em Triora, as castanhas marrons são tão bonitas!"
E vendo um dos assistentes remendando as meias, começou a falar: "Em
troca dos serviços que me presta, quando sair daqui, vou remendar suas meias."
E assim falou várias vezes na presença do comissário e de seus familiares
por quase uma hora [...] E, dirigindo-se ao comissário, disse: "Senhor, permite que
me preparem uma sopa e me desçam para que eu possa tomá-la?"
E tendo o comissário decidido que deveria tomá-la sem sair do cavalo,
ela disse: "Tomarei igualmente sem dúvida, mas não ficará muito boa, com este
tormento [...]"

Calou-se, pois parecia rir do comissário e de quem a cercava [...].
Após vinte e três horas de tormento, sem dar o menor suspiro, o
comissário lhe disse: "Franchetta, não lhe importa se ficará presa aqui mais uma ou
duas horas, não é verdade?" Ela, então, voltou-se para ele e os assistentes e disse,
rindo: "Devia ter me descido duas horas atrás, mas achei que não estaria de
acordo."

Após essa última galhofa, o suplício finalmente foi suspenso. Seu caso foi
mandado ao tribunal de Gênova, que não pôde fazer nada além de absolvê-la.
Triora foi o palco de uma verdadeira caça às bruxas que levou 13
mulheres à morte, algumas de 12 ou 13 anos. Outras morreram em decorrência
das torturas sofridas, enquanto muitas foram transferidas para a prisão de Gênova,
onde morreram de fome e pelas terríveis condições em que eram obrigadas a
viver.

O comissário que conduziu as perseguições, Giulio Scribani, é lembrado
como um homem terrível e impiedoso, tendo sido excomungado em razão de sua
fúria, mas logo reabilitado por questões de conveniência política. Uma das
"supostas bruxas" disse: "Se o Diabo existe, sem dúvida mora no corpo daquele juiz
que passa dois dias sem comer e sem dormir, alimentando-se dos horrores da
tortura."



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