Quando eu era criança gostava de explorar o mundo, procurar coisas novas, descobrir e inventar. Não podia ver algum aparelho eletrônico com defeito que já me dispunha a “arrumar”, desmontava tudo, tirava todos os parafusos, olhava, cheirava em busca de alguma coisa queimada. Na maioria das vezes eu conseguia achar o problema e deixava um problema maior ainda quando sobrava peça na remontagem. Até um dia desses ainda aconteceu isso comigo quando desmontei meu teclado para transpor algumas teclas com defeito para as oitavas mais altas. Funcionou. Só que depois de montado me lembrei de algumas peças que tinha guardado e acabei remontando e esquecendo-se delas.
Uma vez ganhei do meu avô uma lupa, fiquei tão contente que parecia que tinha ganhado na loteria, naquela época as coisas eram mais difíceis de serem encontradas. Me sentia um detetive. Adorava olhar os detalhes das formigas, borboletas e moscas, e queimar insetos e objetos em dia de sol (apesar de isso me render algumas broncas). As vezes dar uma simples lupa á uma criança vai deixá-la mais satisfeita que um brinquedo eletrônico caro, daqueles que brincam sozinhos, que a única forma da criança interagir com o brinquedo é olhar ele se mexendo sozinho e apertando o botão de liga e desliga.
Já em minha adolescência ganhei, não me lembro de quem, vários tubos de ensaio. Aquilo pra mim era o máximo, fiz experiências que causariam inveja aos cientistas da NASA e deixaria o grupo que desenvolveu o acelerador de partículas de queixo caído: Eu misturava pó de café com detergente e areia, xampu com açúcar, sal e o que mais tivesse na dispensa, fazia um elixir com asas de moscas, folhas de árvores e álcool. As vezes quando não tinha ninguém por perto improvisava com o isqueiro um bico de bunsen para acelerar a “reação química”.
Uma vez me superei e coloquei num tubo de ensaio, acetona, cocô seco de cachorro e pedaços de unha do pé, pra piorar enterrei o experimento e só me lembrei dele uns 40 dias depois.
O cheiro daquilo me fez desistir de ser cientista. Eca!
Todos temos algum tipo de atração pelo desconhecido, ou para descobrir ou para se gabar de conhecer e depois dizer: “Eu sei como é. Já experimentei! Sou entendido no assunto. Você não sabe o que eu descobri!”
Estive pensando que também fazemos isso com o evangelho e com Cristo. Estudamos e conhecemos e depois nos orgulhamos: “Já li. Conheço a história. No original grego é...”
Poderíamos nos tornar penta campeões no torneio de perguntas bíblicas da escola dominical.
As vezes estudamos a Cristo como uma mosca num microscópio e o evangelho como uma tese de mestrado.
As vezes misturamos num tubo de ensaio nossas ambições pessoais e desejos altivos e então para amenizar o mau cheiro colocamos alguns versículos triunfalistas fora de contexto.
Quando o resposta está demorando a chegar misturamos, Jesus, fé, desejo e pressa num tubo e aceleramos a reação no bico de bunsen da batalha espiritual.
Se a reação não surte o efeito esperado pensamos que falta algum ingrediente no elixir e compensamos com idas extras á igreja ou esmolas generosas á um indigente qualquer.
Viramos Jesus de um lado pro outro, pra cima, de cabeça pra baixo e no final dizemos: “Bem...Ele queria dizer isso ou aquilo”.
Houve uma época em que o mundo nos odiava e nos menosprezava por não nos entender, mas nós, cristãos, nos entendíamos. Hoje o mundo nos aceita mas nós entre nós mesmos não nos entendemos mais. É difícil falar do evangelho pra alguém um pouco mais entendido por causa disso, eles argumentam com razão sobre uma confusão que nós mesmos montamos: Que evangelho você está me apresentando? Dos católicos, batistas, presbiterianos, metodistas, pentecostais ou neo-pentecostais? É aquele que crê no espírito santo ou o que o ignora? É o que incentiva a ganhar dinheiro e conquistar ou que ensina a ser pobre? É aquele em que a mulher pode ou não pode usar calça e batom? É o mesmo evangelho que assava crianças no espeto em nome de Deus?*
Todas essas questões são baseadas em atitudes de pessoas e igrejas que se diziam ou dizem cristãos, que disseram ter estudado a Cristo e analisado o evangelho. Cada um teve seu próprio ponto de vista de seu objeto de estudo: Jesus!
Há quem diga que descobriu o DNA de Deus e se auto intitula Patriarca, há quem queira gastar milhões numa réplica do templo de Salomão, há quem diga ser apostólico e nada o deterá, mas é detido pela polícia e permanece detido por anos, há quem queira pagar mal com mal e queime o Alcorão para afrontar uma nação, há quem pregue atrás de um vidro a prova de balas, há quem diga que ser pobre é ser amaldiçoado, há quem entenda a bíblia errado e incentive o adultério. Há quem venda indulgencias modernas por R$ 900,00. E nós blogueiros que achamos que sabemos de tudo!
Todos temos nossos relatórios e conclusões tiradas de tubos de ensaio.
O evangelho está sendo estudado como nunca, e não vivido como sempre.
Aprendemos sobre Jesus e o evangelho sob os conceitos da teologia cristã, teologia sistemática, hermenêutica, exegese, pneumatologia, cristologia, cristofania...quando deveríamos antes levar mais a sério este ensino: “Aprendei DE mim, que sou manso e humilde de coração; e encontrareis descanso para as vossas almas” (Mateus 11:29)
Não queremos mais aprender DE Cristo mas SOBRE Cristo.
Enquanto tiramos conclusões e fazemos anotações, enquanto calculamos e fazemos estratégias, Jesus grita sob a lupa: Não é isso que eu quis dizeeeeer!!!
Um remédio descoberto num tubo de ensaio não serve para nada se não for administrado ao doente.
A letra mata, física e espiritualmente, mas o espírito vivifica. (2ª Coríntios 3:06 (grifo meu))
Escrevo primeiramente para mim mesmo e depois a todos vocês:
Tiremos Jesus de dentro do tubo de ensaio e o transportemos para dentro de nossos corações. Afinal, ele está a porta, batendo....... E querendo entrar! (Apocalipse 3:20)
Sola Gratia
* A primeira cruzada chamada de “A cruzada dos mendigos” (1096 a 1099)